Designer aponta perspectivas para o futuro do móvel no Brasil

Silvia Grilli, profissional com três décadas de experiência no mercado, atenta para o comportamento do consumidor e a postura das empresas no século XXI

Publicado em 30 de outubro de 2018 | 10:30 |Por:

Mais do que um simples bem de consumo, o mobiliário é também uma manifestação cultural e reflete os diferentes estágios socioeconômicos vividos pela sociedade. Por isso, pensar o futuro do móvel equivale a refletir sobre as transformações comportamentais, tecnológicas e valorativas pelas quais atravessamos e que apontam para inéditos cenários de moradia e trabalho. Isso tudo envolve diferentes modalidades de consumo e, especialmente, filosofias empresariais em sua busca por inovação e oportunidades de mercado.

Como iniciar uma gestão da inovação na indústria moveleira

Na indústria moveleira, muito se fala em tendências no que diz respeito a cores, padrões, formas ou conceitos (a exemplo do minimalismo ou retorno ao clássico). Entretanto, um outro ângulo de análise, mais atento à postura estratégica das empresas, possibilita uma diferente leitura acerca do futuro do móvel no Brasil, um país em que ainda precisa avançar nos quesitos de abordagem comercial, originalidade e compreensão da diversidade de consumidores de um país de proporções continentais.

Essa é a proposta da designer Silvia Grilli, que nos últimos anos vem trabalhando com o tema do “futuro do móvel”. Com mais de três décadas de experiência no mercado moveleiro, com atuação no desenvolvimento de produtos, design thinking e curadoria comercial, a especialista aponta as principais perspectivas para o mobiliário e comenta o comportamento empresarial das companhias brasileiras nesta entrevista ao Portal eMóbile. Confira!

O futuro do móvel por Silvia Grilli

A questão da tendência

Quando falamos de “tendência”, é preciso darmos um passo atrás. Essa palavra está desgastada, pois muitos não entendem que tendência é algo que ainda está por acontecer, ainda não está na loja. Tendência é um conceito estratégico. Cabe ao moveleiro brasileiro entender a dinâmica de consumo seu país e parar de copiar o que vê em Milão, pois muitas vezes isso conduz a um modismo e muita gente perde dinheiro com isso.

O caminho da arquitetura

O mobiliário acompanha os passos da arquitetura. Hoje temos configurações de moradia diferentes que estão atendidas pelos projetos arquitetônicos. Por exemplo, o aumento da procura por residências reduzidas – os chamados estúdios – nos grandes centros urbanos.

Vemos a arquitetura propondo estes espaços que combinam cozinha, sala, dormitórios e escritórios em um só lugar, por questões sociais e econômicas, mas em descompasso com a indústria moveleira, que ainda não oferta seriamente um mobiliário multiuso e multifuncional.

Como a indústria não dá conta de atender esta demanda, os consumidores recorrem às marcenarias. A ironia é que, há alguns anos atrás, dizia-se muito que o móvel sob medida iria acabar frente à concorrência com as grandes fabricantes. Hoje vemos exatamente o contrário.

Silvia Griili: “Desenvolvimento de produto está ligado a duas coisas principais. Primeira a cultura do risco. A segunda é a empresa ter uma estratégia de produto bem definida”

Fatores do descompasso

Uma série de fatores leva a este tipo de descompasso, a começar pela falta de cultura na indústria em fazer uma análise mais aprofundada do comportamento da sociedade. No Brasil, falando de modo generalizado (claro que há exceções), é o dono da empresa que define a linha de produtos e oferece ao mercado, mas sem necessariamente consultá-lo. Ele deveria indagar e descobrir o que o consumidor quer. A tendência está muito mais ligada ao comportamento dos compradores do que, por exemplo, a cor do ano.

Entender o consumo

A indústria moveleira precisa aprofundar o conhecimento sobre o que consumidor está buscando, e não o contrário. Há um aumento pela procura de mercadorias mais duráveis, com menos descarte (por questões ambientais).

Outro ponto: o cliente vê no Instagram ou em outras redes sociais os móveis num ambiente que o encanta, mas ele dificilmente encontra estes produtos nos grandes magazines. A indústria precisa se atentar aos canais em que as pessoas estão, e não apenas supor o que elas querem para suas casas.

Perspectivas para o futuro do móvel

Sobre o futuro do móvel, eu poderia falar de maneira genérica que as perspectivas que temos já ocorrem em nível mundial. Uma delas é a desmaterialização do móvel: teremos peças muito mais reduzidas do ponto de vista de matéria-prima (móveis menos robustos, com uso de fibras de carbono, por exemplo), com mais tecnologia, ciclo de vida mais longo e que possam ser transformadas em outros objetos. Uma segunda tendência é a logística reversa, na qual você compra um móvel novo e devolve o antigo para a empresa reaproveitar a matéria-prima.

Uma terceira perspectiva é que o móvel deixe de ser um bem durável e se torne um bem de consumo compartilhado. Falo de compras coletivas, aluguel de móveis, tornando-os mais próximos a um serviço do que um bem. Isso envolve também a degustação de móveis, o seu uso por um determinado período de tempo antes que o comprador se decida por fazer o investimento.

Mobiliário multifuncional

Na parte do mobiliário multifuncional, a parte importante está nas ferragens. No entanto, isso não é uma tendência, pois já está acontecendo, muito embora ainda não haja propostas consolidadas no Brasil. Isso porque um mobiliário multifuncional (um objeto que é roupeiro, cama e mesa, por exemplo) exige um sistema de ferragens muito sofisticado, e essas ferragens muitas vezes não se encontram facilmente, precisam ser importadas e custam caro. Enfim, o conceito está consolidado, mas a indústria não está conseguindo fazer a entrega. Portanto, o descompasso que comentávamos no início.

As perspectivas para o móvel apontam para a longevidade do produto, a utilização de novas matérias-primas e a compreensão do mobiliário enquanto uma experiência

Cultura do risco

Toda empresa quer ter retorno para o investimento. Mas apostar em inovação é correr risco também. Falta ao empresário brasileiro a cultura do risco. Estou há 30 anos neste ramo, vejo empresários brasileiros irem aos milhares a Milão, voltarem com a mala cheia de catálogos, mas sem perceber o fundamental: toda inovação tem parcela de risco. Nem todas as ideias vão colar, e isso em todos os setores produtivos.

Desenvolvimento de produtos

Desenvolvimento de produto está ligado a duas coisas principais. Primeiro, a cultura do risco, a qual já falamos. A segunda é a empresa ter uma estratégia de produto bem definida. No Brasil, de modo geral – embora saibamos que existam aquelas que saem dessa curva – vemos que a indústria moveleira não indaga muito.

O empresário pensa unicamente no produto, mas não na estratégia que culmina no produto. Primeiro ele desenvolve o móvel e somente depois pensa como vai vender, como vai anunciar, etc. Mas o ideal (algo que é visto em grandes marcas mundiais que inspiram tanto os moveleiro brasileiros), é ter uma estratégia muito bem definida. É desta estratégia que surgem os produtos.

Estabelecendo a estratégia

Por exemplo, uma empresa pensa estrategicamente em sustentabilidade, em entregar inovação, rendimento e matéria-prima natural. A empresa tem uma linha mestra, e isso atravessa o marketing, a comunicação e a concepção do produto. Aqui no Brasil, muitas vezes a indústria copia do vizinho ou de fora, pois quer seguir a tendência, e depois pensa como vai vender. A filosofia é ter uma estratégia, um método bem definido de abordagem de mercado, antes de conceber o mobiliário.

Inovação na indústria moveleira

A questão do futuro do móvel no Brasil está ligada à questão estratégica e não apenas usar um material novo que a cadeia de insumo está oferecendo. A questão não é o produto em si, se é um sofá com braço redondo ou braço quadrado, por exemplo. A inovação refere-se a abordar a produção e consumo de móveis de maneira diferente.

Não se trata de ver a desmaterialização do móvel como uma tendência a ser seguida. Não, o mais importante é identificar se o perfil da sua empresa e do seu público abriga essa tendência, se ela se integra ao seu planejamento estratégico. Não se trata de seguir modismos, mas de compreender o seu consumidor e sua própria estratégia de mercado.

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